MPLA só teve a certeza da descolonização de Angola em Dezembro de 1974

Lopo do Nascimento, primeiro chefe do governo angolano, contou que o MPLA tinha dúvidas sobre as intenções de Portugal. Ex-presidente moçambicano Joaquim Chissano lembrou o que era dito aos régulos na época colonial: “Vêm aí os russos, as vossas galinhas serão deles”.

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Nuno Ferreira Santos
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Mesmo depois do 25 de Abril, a indefinição sobre Angola prolongou-se durante meses e só em Dezembro de 1974 ficou claro para o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) – que no ano seguinte assumiria o poder em Luanda – que o caminho era a descolonização.

“O que foi fundamental para acalmar os nossos espíritos foi quando o MFA [Movimento das Forças Armadas] retomou nas suas mãos esse processo e houve um encontro, em 18 de Dezembro 1974, entre o presidente [do MPLA, Agostinho] Neto, e o coronel Melo Antunes”, disse nesta terça-feira Lopo do Nascimento, ex-primeiro-ministro de Angola e antigo secretário-geral do partido.

Até então, “não se sabia o que ia acontecer”. “A partir daí, ficou para nós claro qual seria o caminho que Angola iria tomar”, contou na conferência A Ditadura portuguesa – porque durou, porque acabou, uma iniciativa de investigadores e jornalistas que termina nesta quarta-feira na Fundação Calouste Gulbenkian.

Se nos casos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde “as coisas estavam arrumadas” e no de Moçambique “mais ou menos” encaminhadas, o MPLA tinha dúvidas sobre a posição de Portugal quanto a Angola. “Os receios que tínhamos foram-se consolidando ao longo do ano, porque, em relação a Angola, não havia uma definição clara”, disse Lopo do Nascimento.

“Cuidado, vem aí o comunismo”
Joaquim Chissano, ex-presidente de Moçambique, outro dos intervenientes num painel reservado a dirigentes de países de expressão portuguesa, procurou responder à pergunta sobre as razões da duração da ditadura do Estado Novo. Olhando para a realidade do seu país na época colonial, falou da escassa educação, do fomento “da divisão e ódio tribal e racial entre moçambicanos “, da “inexistência de laços entre revoltas de elites urbanas escolarizadas e a maioria da massa rural”, da “natureza feroz da máquina repressiva colonial” e da “agitação do espantalho da ameaça comunista para garantir o apoio ocidental”

“Os régulos eram convocados para lhes dizerem: 'Cuidado, vem aí o comunismo, vêm aí os russos. As vossas galinhas serão deles, as vossas mulheres serão deles, as vossas crianças serão deles'”, contou o filho de um “assimilado”, uma das categorias em que era dividida a população africana, condição que fez dele, em 1946, uma das primeiras crianças negras e mulatas a serem admitidos numa escola até aí só para brancos.

Chissano lembrou que 95% da população africana de Moçambique era analfabeta por altura da independência, em 1975, e, para além das responsabilidades do regime deposto, lembrou que os sectores mais conservadores da Igreja Católica – referiu-se concretamente a Custódio Alvim Pereira, bispo auxiliar da então Lourenço Marques, depois Maputo, na década de 60 – nunca esconderam os seus “propósitos” educativos: ensinar o africano a “ser obediente à mãe pátria, expressando-lhe gratidão pela libertação da vida ‘selvagem’ e repudiando qualquer ideia de autodeterminação”.

O antigo presidente de Moçambique contestou o “mito do luso-tropicalismo” e, num tom de voz em que procurou imitar o próprio, citou, para depois desmontar as suas afirmações, Oliveira Salazar, quando este proclamava a “característica distintiva da África portuguesa”. Mas a realidade, disse noutra passagem, era outra: “a brutalização dos povos e a sua repressão”, não apenas dos africanos colonizados, mas também dos portugueses.

Corsino Tolentino, antigo ministro da Educação de Cabo Verde, contou que chegou a ter “um espelho de bolso para medir a 'branquidade' que haveria de influenciar” a sua “carreira e estatuto social” e lembrou ter reprovado no então 4.º ano do ensino secundário “por excesso de faltas às actividades da Mocidade Portuguesa”.

A ditadura, disse, “durou tanto, porque a maioria do povo português acreditou em mitos" como estes: as colónias e o estado católico salvariam o país do mal absoluto; a PIDE [polícia política], a censura e a propaganda existiam para  proteger o país do inimigo; "quem não fosse por Salazar era certamente contra a Nação”, exemplificou.

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