“Desta vez é o mundo, todo ele, que precisa do seu 25 de Abril”, diz Almeida Santos

"A política hoje não manda nada”, mas “o mundo não pode viver sem política", avisa o histórico socialista e ex-presidente da Assembleia da República.

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Almeida Santos não se referiu à descolonização, de que foi um dos principais protagonistas Enric Vives-Rubio

O socialista António de Almeida Santos gostaria de ver um novo 25 de Abril a nível mundial, que devolvesse à política o poder primordial, que está actualmente entregue aos poderes económico e financeiro. “Desta vez é o mundo, todo ele, que precisa do seu 25 de Abril, de politicamente se globalizar”, defendeu Almeida Santos durante a conferência A Revolução de Abril, organizada pelo Instituto de História Contemporânea.

“O poder económico e o poder financeiro, o comunicacional e o tecnológico juntaram-se e estão globalizados e travaram o poder político. A política hoje não manda nada”, diz Almeida Santos. E avisa: “O mundo não pode viver sem política. Sem poder político, o mundo não pode ser governado correctamente. O Parlamento não faz leis, o Governo não toma decisões, quem resolve são os economistas (…) É o neoliberalismo que está a mandar no mundo. O poder económico só quer uma coisa: lucrar o mais possível, esmagar o adversário o mais facilmente possível". Mais do que Portugal em tempos de troika em Portugal, é todo o mundo que funciona assim, realça o antigo presidente da Assembleia da República e histórico militante do PS.

A solução? “Voltar a pôr o poder político sobre o poder económico.” Almeida Santos diz que “nada é impossível". "Em política são sempre precisos consensos, sobretudo quando as dificuldades são grandes e a dívida é enorme. É preciso tomar medidas muito profundas. Não é um Governo qualquer que pode resolver o problema económico português.”

Depois vieram as críticas: “Este [Governo] não está a resolvê-lo, pelo contrário, está a agravá-lo. Ora bem, ou arranjamos um Governo capaz de, lentamente e durante algum tempo, resolver o problema económico ou Portugal não tem futuro. Entra em falência. E depois como é?”

Respondeu com um conselho: “É preciso juízo.” Porque pode repetir-se a necessidade de pedir ajuda, novamente, como o próprio Almeida Santos, recordou, teve que fazer na década de 80. “Nós não conseguíamos importar aquilo que comíamos todos os dias - o açúcar, o arroz, a manteiga. Não comíamos nada, não tínhamos dinheiro para importar. Felizmente tivemos [depois do "sim" do FMI] e ninguém deu por nada.”

Almeida Santos deixou também um elogio aos militares: “Creio que nunca foi feita à revolução de Abril e ao Portugal que se lhe seguiu o acto de justiça de reconhecer quanto lhe devemos pelo equilíbrio e pela sensatez com que os seus novos dirigentes, militares de Abril e depois também políticos de Abril, enfrentaram as dificuldades dos novos equilíbrios conseguidos.” Militares que Almeida Santos descreve como “heróis que assumiram sem alarde o dever cumprido”.

Num painel dedicado ao tema “O fim do Império e a descolonização”, Almeida Santos, que enquanto ministro da Coordenação Interterritorial, entre 1974 e 1975, foi um dos principais obreiros da descolonização – foi autor do plano de “actuação política para os territórios ultramarinos”, que descrevia a estratégia a adoptar em cada uma das antigas colónias -, evitou o tema e preferiu falar sobre a globalização e a ascensão dos poderes económico, financeiro e tecnológico, com o consequente definhamento do poder político.

Coube ao major-general Pedro Pezarat Correia e ao ministro da Coordenação Económica do I Governo Provisório, Vasco Vieira de Almeida, falar sobre a descolonização, mas apenas do ponto de vista operacional, sem abordarem as consequências sociais. Pezarat Correia considerou que a “descolonização foi a que tinha que ser feita”. O general não tem dúvidas de que, “sem o 25 de Abril, Portugal teria falhado o encontro com a descolonização e, sem a descolonização, Portugal teria falhado o seu encontro com a liberdade”. Vasco Vieira de Almeida reforçou: “A democratização legitimou-se com a descolonização.”

O alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres, que encerrou o capítulo da descolonização com a auto-determinação de Timor-Leste - concretizada durante o seu mandato de primeiro-ministro -, enviou uma mensagem por vídeo sobre o processo negocial com a Indonésia e as instâncias internacionais. Guterres considerou que hoje há menos solidariedade, pelo que não teria sido possível conseguir o envolvimento e apoio internacionais que possibilitaram a independência timorense nos anos noventa.

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