As Caxinas pararam para receber os seus mortos

Continuam desaparecidos dois homens que seguiam no barco que quinta-feira naufragou nas Astúrias, em Espanha.

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Os carros fúnebres chegaram a Vila do Conde nesta tarde de sábado Rui Farinha/Nfactos
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Os familiares fecharam-se na capela. De fora ficou a vizinhança Rui Farinha/Nfactos

Ia chegando gente este sábado e ia parando ali, no passeio, em frente à capela da Boa Morte, na comunidade piscatória das Caxinas, em Vila do Conde. Aguardavam os corpos dos pescadores mortos no naufrágio do barco "Mar Nosso", a 30 milhas a noroeste de Navia, nas Astúrias, em Espanha.

Aurora Frias sentou-se no adro, junto à porta, onde se via a fotografia do irmão dela, José Esteves Novo, de 62 anos, e do companheiro, António Cascão, de 54, com o anúncio do duplo funeral às 15h de segunda-feira. “Eu estava no curso de geriatria quando recebi a notícia. Fiquei toda a tremer. A formadora até me disse: ‘Vá embora!’ É muito triste.” É uma Páscoa como não há memória.

As sobrinhas foram na sexta-feira para Gijón buscar o corpo do pai. Com elas, numa camioneta, seguiram outros familiares dos homens mortos – aqueles dois e Américo dos Santos, de 50 anos, que seria levado para a Igreja de São Francisco, onde às 10h deste domingo vai decorrer a cerimónia fúnebre.

A viúva, Fátima, “está a calmantes”. José era pescador desde pequeno. Fora dos primeiros pescadores a ir trabalhar para Espanha. Andou lá muitos anos. Nos últimos tempos, tentara trabalhar mais perto de casa. “Só que isto aqui está uma miséria e ele decidiu voltar para lá”, diz ela. Saíra de casa no domingo, 13 de Abril. Aquela seria a sua última maré antes das férias da Páscoa. Ficaria em casa até à primeira comunhão do neto. Trabalharia mais um ano ou dois e reformar-se-ia.

Passava das 17h quando José Postiga, secretário da junta de freguesia, avisou que já entrara em Vila do Conde a camioneta com os familiares, os representantes autárquicos e o presidente da Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar. Os carros fúnebres não tardariam a chegar.

Os familiares fecharam-se na capela. De fora ficou a vizinhança. A presidente da câmara, Eliza Ferraz, entrou. “É muito difícil, não há palavras para exprimir o que sentimos, esta emoção, esta dor, este drama que nos revolta e que nos deixa completamente desfeitos", disse aos jornalistas, no adro.  

A morte é visita assídua nesta terra. Ainda em Julho, António Cascão e o filho sofreram um naufrágio. O barco de pesca "Por Deus Ajudado" virou-se no largo da Torreira, em Aveiro, com seis tripulantes dentro. “Fugiu à morte”, comentara, ao lado de Aurora, Conceição, uma amiga. “Desta vez, não teve sorte…”

No "Mar Nosso" estavam sete portugueses e cinco galegos. Dois continuam desaparecidos, o que, esclareceu Postiga, é só um modo de falar. Com vida, a Portugal, regressaram dois. Sebastião Ferreira Maciel está ainda atordoado. Bernardino Bicho sente-se mais capaz de falar. E era a sua versão, tantas vezes reproduzida, que corria ali, entre os curiosos, solidários, que se tinham ido acumulando.

Andavam à pesca da cavala. Já tinham umas cem caixas. Estavam a puxar as redes pela última vez antes de regressarem a terra. De súbito, o barco, construído em 1972, virou-se. Atiraram-se à água. Bernardino Bicho olhou em volta e só viu oito homens. Onde estariam os outros três? Talvez tenham ficado presos nas redes ou no barco. Com outros seis, agarrou-se a uma tábua. Estiveram ali umas três horas, a rezar, no caso dele a Nossa Senhora de Fátima e à “mãezinha”. Uma meia hora antes de ser resgatado, ainda viu morrer dois. Seriam António Cascão e José Esteves Novo.

O mar não inspirava cuidado. Que aconteceu? Erro de manobra? Excesso de carga? A capitania de Avilés está a investigar. Ao jornal Voz da Galiza, o gerente dos armadores de Marín, Juan Carlos Martín Fragueiro, disse achar precipitado dizer que foi excesso de carga, como tantos já dizem.

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