A British Pathé está no YouTube e o século XX apresenta-se perante nós

A produtora disponibilizou todo o seu arquivo, registado entre 1896 e 1976. São 85 mil filmes e um total de 3500 horas de imagens.

As imagens históricas surgem lado a lado do registo corriqueiro do quotidiano
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As imagens históricas surgem lado a lado do registo corriqueiro do quotidiano DR
Harold Lloyd, estrela da comédia nos tempos do cinema mudo, em rodagem
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Harold Lloyd, estrela da comédia nos tempos do cinema mudo, em rodagem DR
A actriz Sophia Loren, nome mítico do cinema das décadas de 1950 e 1960
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A actriz Sophia Loren, nome mítico do cinema das décadas de 1950 e 1960 DR
As imagens do trágico acidente que destruiu o zepelim Hindenburg correram mundo em 1935
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As imagens do trágico acidente que destruiu o zepelim Hindenburg correram mundo em 1935 DR

O século XX exposto perante nós. O histórico: as duas grandes guerras, a revolução russa, as coroações. O artístico: Laurel & Hardy ou Elvis Presley em entrevista, George Orwell enquanto jovem estudante, Ernst Lubitsch em rodagem,uma exposição de Picasso, Alfred Hitchcock à conversa com Ingrid Bergman. O desportivo: os mundiais de futebol, os Jogos Olímpicos, corridas de cavalos. O mundano: crianças em campos de férias, cães que saltam a alturas incríveis, bulício na rua e homens suspensos a centenas de metros para limpar as janelas do Empire State Building.

85 mil filmes de que resultam 3500 horas de século XX (ou, para sermos mais precisos, 3500 horas de mundo, o do Ocidente, registado entre 1896 e 1976) totalmente disponíveis e partilháveis no canal do YouTube onde a British Pathé alojou todos os seus arquivos (https://www.youtube.com/user/britishpathe). O acervo da produtora fundada em Paris em 1896 pelo pioneiro do cinema Charles Pathé, e que abriu um escritório inglês em 1910 (a Associated British Pathé, detentora dos arquivos agora disponibilizados nasceria em 1933), fora digitalizado em 2002 e estava acessível no site www.britishpathe.com. Contudo, os administradores da produtora tinham a convicção de que o material que detinham era demasiado importante para estar restringido ao seu site. Num comunicado conjunto, a British Pathé e a Mediakraft, empresa alemã parceira no projecto, declararam que o objectivo é chegar a estudantes, professores e jornalistas, que verão, partilharão, e darão renovada circulação às imagens preservadas.

“A nossa esperança é que todos aqueles, em qualquer lugar, que tenham um computador, vejam estes filmes e os apreciem”, declarou Alastair White, director geral da British Pathé, citado pelo Telegraph. “Este arquivo é um tesouro inigualável em relevância histórica e cultural que nunca deverá ser esquecido. Carregar os filmes no YouTube pareceu-nos a melhor forma de o assegurar”, acrescentou. “Quer procurem a cobertura [noticiosa] da família Real, o Titanic, a destruição do [zepelim] Hindenburg, ou histórias bizarras de passados britânicos, isso estará no nosso canal. Podemos perder-nos nele durante horas”. Alastair White não está a mentir. E está longe de exagerar. Perdemos mesmo horas a viajar pelos filmes do British Pathé.

A televisão estava ainda a algumas décadas de distância, mas com os seus filmes de actualidades, exibidos antes das sessões cinematográficas a partir de 1908, a Pathé definia em grande parte aquilo que seria linguagem noticiosa televisiva. Os seus filmes, habitualmente curtos de duração (entre um e quatro minutos), ofereciam uma janela para o mundo. Se hoje é certo que, aconteça o que acontecer em qualquer lugar do mundo, haverá uma câmara, de telemóvel ou profissional, para registar o momento, nas primeiras décadas do século XX, era a Pathé que parecia estar em todo o lado. Vemos o Czar Nicolau II a abdicar, enquanto os soldados russos morrem de frio no rigoroso Inverno de 1917 e a população sai à rua para fazer a revolução. Vemos a bola de fogo impressionante em que se transforma o zeppelim Hindenburg à chegada a New Jersey, em 1935, vemos imagens da guerra iniciada quatro anos depois e da explosão atómica Hiroshima que lhe pôs fim. Descobrimos bem mais que essas imagens históricas. O século XX de inventores, trágicos ou gloriosos: um dos primeiros voos dos irmãos Wright está lá, bem como o primeiro e último do alfaiate francês Franz Reichelt, que saltou para a morte da Torre Eiffel, tentando provar que inventara um pára-quedas fiável.

É um outro mundo que se revela: o da Inglaterra campeã do mundo de futebol, o de Arnold Schwarzenegger que não era ainda Conan, o Bárbaro, muito menos Exterminador Implacável ou governador da Califórnia, mas apenas um monte de músculos reluzentes com um rosto juvenil erguido a Mr Universo em 1969. Um mundo não tão distante, afinal. Veja-se a notícia da invenção de um telefone sem fios, onde até se pode ouvir música – em que ano? 1922. E descubra-se que, tendo 3500 horas de filmes disponíveis e tanta História para investigar, um dos vídeos que a Humanidade online mais tem partilhado exibe um perfeito anónimo como protagonista. Leslie Bowles tinha 3 anos em 1935, pesava mais de sessenta quilos e era apresentado como o bébé mais gordo do mundo. Material perfeito para o frenesim de curiosidades, de vídeos de gatos a apanhados diversos, de que as redes socais se alimentam. Muito actual, portanto.


 

Corrigido às 12h37: No primeiro parágrafo, "acervo", que significa "conjunto de bens pertencentes a algo ou alguém", em vez "espólio", que designa "conjunto de bens que ficam por morte de alguém".

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