A equipa da cidade-fantasma

O Qarabag Agdam FK, o mais que provável campeão do Azerbaijão, já não joga em casa há mais de 20 anos.

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Medvedev, jogador do Qarabag, durante um jogo da Liga Europa em 2009 com o Rosenborg REUTERS

A União Soviética foi uma grande potência futebolística cujos feitos nenhuma das repúblicas que lhe sucederam após a sua desagregação conseguiu reproduzir. Depois de 1991, desapareceu um país e apareceram 15. Deixou de existir uma selecção de futebol e nasceram 15 novas. Como se vê na actualidade, com o conflito entre Rússia e Ucrânia, a convivência entre as antigas repúblicas soviéticas nem sempre é pacífica e o futebol é um dos danos colaterais. Um outro conflito, que dura há décadas, provocou dezenas de milhares de mortos e centenas de milhares de refugiados, criou uma cidade fantasma e enviou uma equipa de futebol para o exílio.

O Qarabag Agdam Futbol Klubu é o actual líder do campeonato do Azerbaijão e, a seis jornadas do fim, tem tudo para ser campeão, com 13 pontos de vantagem sobre duas equipas da capital Baku, o Inter e o Neftchi. A acontecer, será o segundo título para o Qarabag, depois de ter sido campeão azerbaijano em 1993. Mas, tal como o título conquistado há 21 anos, o Qarabag vai festejar longe de casa porque a sua cidade, Agdam, é uma cidade onde só funciona uma mesquita no meio de ruínas e sem ninguém. Agdam era uma cidade em Nagorno-Karabahk, o enclave de maioria arménia em território azerbaijano que é uma república independente apesar de não ter reconhecimento internacional e objecto de um conflito que continua latente.

Em 1992, o Neftchi Baku, a melhor equipa da sua república nos tempos soviéticos (foi terceiro em 1966), tornou-se no primeiro campeão do Azerbaijão, naquele que seria o primeiro dos seus oito títulos. Em Junho do ano seguinte, os independentistas arménios do enclave tomaram a cidade de Agdam e a população fugiu da cidade, incluindo a equipa de futebol, que já tinha conquistado a Taça no início do mês e estava bem encaminhada para o título. O troféu já não fugiria, mas foi já conquistado longe do conflito, em Agosto desse ano, em Baku, onde o Qarabag Agdam se mantém até hoje.

Desde então, o clube tem por hábito enviar autocarros aos campos de refugiados para levar adeptos aos seus jogos e, em 2009, chegou mesmo a disputar algumas partidas na região de Agdam, num estádio construído pelo Estado com capacidade para duas mil pessoas. Nesse ano, a equipa chegou, pela primeira vez a uma competição europeia e causou alguma sensação ao eliminar os noruegueses do Rosenborg (em tempos habituais clientes da Liga dos Campeões) na segunda pré-eliminatória da Liga Europa. Desde então, a equipa tem sido presença regular nas fases preliminares da Liga Europa, nunca tendo, no entanto, atingido a fase de grupos.

Sem ter reconhecimento internacional como nação independente, a República de Nagorno-Karabahk também não faz parte da família FIFA, mas isso não impediu a formação de uma selecção para representar o território. O seleccionador é Mher Avanesyan, jogador que fez carreira no futebol arménio, e a equipa vai participar, a partir de Junho próximo, no World Football Cup, uma espécie de Mundial de futebol para equipas não reconhecidas pela FIFA. Nagorno-Karabahk é uma das 12 equipas participantes neste torneio que se realiza em Ostersund, na Suécia — estarão lá, entre outras, equipas do Darfur, Curdistão, Abkhazia e Zanzibar.

O Azerbaijão está contra a participação de Nagorno-Karabahk neste Mundial alternativo, mas pouco podem fazer a não ser protestar. Para Samuel Karapetyan, presidente da federação do enclave, o futebol é mesmo uma forma de afirmação num mundo que não os reconhece: “O futebol é a forma ideal de o fazer. Infelizmente tivemos de andar no campo de batalha, mas agora queremos mostrar-nos no campo de futebol.”

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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