PGR contra acordo no caso de burla ao Serviço Nacional de Saúde

Procuradoria-Geral da República não concorda com a solução proposta pela defesa para acordo sobre indemnização e penas e que dispensaria a produção de prova em julgamento.

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O esquema envolvia 18 pessoas constituídas como arguidas DR

A Procuradoria-Geral da República está contra o acordo sugerido ao Ministério Público pela defesa dos 18 arguidos que começaram a ser julgados na quarta-feira no Tribunal de Monsanto, em Lisboa, no âmbito do processo Remédio Santo, acusados de burlar o Serviço Nacional de Saúde em quatro milhões de euros.

O chamado acordo de sentença de pena tem de ser negociado entre os advogados e o Ministério Público e implica que os arguidos confessem os crimes de que estão acusados, para se definir a pena e indemnização que mais tarde terá de ser homologada no acórdão. Desta forma dispensa-se o julgamento.

Numa nota, a Procuradoria-Geral da República (PGR) faz saber que “os representantes do Ministério Público acederam a ouvir as ideias da defesa, com a qual trocaram impressões e, afinal, submeteram o resultado do encontro à apreciação da sua hierarquia”. Porém, “a hierarquia do Ministério Público considera que o simbolismo do caso, as finalidades de política criminal envolvidas na sujeição dos arguidos a julgamento, bem assim como a circunstância de haver posições divergentes no seio desta magistratura quanto à questão dos acordos sobre a sentença” determinam que esse não deve ser o caminho, “até que se proceda a uma reflexão mais aprofundada sobre a matéria, que permita ao Ministério Público, no seu conjunto, assumir uma posição unitária”. O comunicado não esclarece, contudo, se a decisão é apenas para este caso e se é definitiva. Contactada pelo PÚBLICO, a PGR não adiantou, até ao momento, grandes esclarecimentos, tendo-se limitado a informar que emitirá, muito em breve, uma directiva sobre acordos pré-sentenciais, "atendendo ao facto de este tipo de acordos não se encontrarem expressamente previstos na lei e à complexidade da questão, que vem suscitando interpretações jurídicas diversas".

O advogado Dantas Rodrigues, que sugeriu o acordo colectivo e que representa a delegada de informação médica Cassilda Dias e o marido e comerciante de pão Carlos Anjos, confirmou ao PÚBLICO o revés. “Temos estado sempre a falar com o Ministério Público, mas, até agora, não conseguimos chegar a um entendimento”, explicou Dantas Rodrigues, que considerou que “o imediatismo fez com que fosse tomada esta posição no sentido de não continuar as negociações”.

O advogado disse que, a manter-se a decisão, na próxima quarta-feira o julgamento deverá então seguir o percurso normal de produção de prova. Quanto às razões para a decisão, Dantas Rodrigues escusou-se a avançar os motivos. O PÚBLICO sabe, contudo, que o imediatismo do caso – o primeiro sobre burlas ao SNS a chegar a tribunal – terá contribuído para a recusa do acordo, assim como o facto de a indemnização proposta estar longe dos quatro milhões de euros que o Estado reclamava no pedido de indemnização civil.

Na quarta-feira de manhã, logo após o início do julgamento e depois de todos os arguidos se terem identificado e dito que, para já, não queriam prestar declarações, os advogados disseram que queriam chegar a um acordo com o Ministério Público que dispensaria a produção de prova em audiência.

A juíza Maria Joana Grácio acabou por suspender o julgamento, após uma pausa para um encontro entre a defesa e o procurador do Ministério Público, depois de este último ter transmitido que era necessário mais tempo para chegar a um acordo – que, a viabilizar-se, faria com que o caso se desenvolvesse de forma mais rápida, dispensando-se, por exemplo, as testemunhas. Estes acordos são raros no ordenamento jurídico português e só foram utilizados duas vezes.

Esquema funcionaria desde 2009

Os arguidos são suspeitos de pertencerem a uma rede que, através de um esquema fraudulento de receitas, terá lesado o SNS no valor reclamado pelo Estado. Entre os 18 envolvidos estão seis médicos, dois farmacêuticos, sete delegados de informação médica, uma esteticista, um empresário brasileiro e um comerciante de pão. O médico Luiz Renato Basile é o único em prisão preventiva, nove estão com pulseira electrónica e os outros em liberdade.

O suposto esquema remonta a 2009 e foi desvendado numa investigação conhecida em 2012. Os médicos passavam receitas em nome de utentes do SNS, sem o seu consentimento, sempre de medicamentos com elevado valor e comparticipação, que ia dos 69% aos 100%. As farmácias que não faziam parte do esquema ficavam com a comparticipação, exportando os arguidos os fármacos para países como Angola, Alemanha, Irlanda e Espanha. Nas duas farmácias ligadas ao esquema, os medicamentos ou ficavam nas prateleiras ou eram exportados, recebendo ainda o estabelecimento a comparticipação que era redistribuída pelos envolvidos.

Além deste processo, há outros casos que estão a ser investigados por burlas ao SNS que rondarão os 230 milhões de euros.

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