Incentivos das câmaras à natalidade ajudam os casais e a economia dos concelhos

Em alguns municípios, parte dos incentivos à natalidade têm de ser gastos no comércio local. Em artigos para bebé, roupa, alimentação. Os apoios aumentam se famílias optam por ter mais filhos.

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Ana Canelas e António Vitorino, um dos casais de Mora que receberam o “incentivo à natalidade” João Cordeiro

A lareira está acesa, a televisão ligada nos desenhos animados. Gonçalo, de três meses, está deitado numa cadeirinha, é o centro da casa. Apesar de estar desempregada, a mãe agora trabalha “a dobrar”: “Tenho um emprego a tempo inteiro”, diz Sofia Santos, 34 anos. Vive em Mora com o marido, Nélio Ezequiel, trabalhador da construção civil de 33 anos. O casal, um dos muitos beneficiários do programa de apoio à natalidade da autarquia, recebeu 500 euros pelo primeiro filho.

Não foi por causa do incentivo que tiveram um filho, mas o dinheiro ajudou: compraram roupa, fraldas, medicamentos, “tudo gasto” no Gonçalo. Para já, o casal não pensa ter mais filhos: “Isto não está para grandes aventuras, estou desempregada, é só o pai a trabalhar, não é fácil”, desabafa Sofia Santos.

Mora não é o único município a conceder estes incentivos. Também a Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso já atribuiu, desde o ano passado, 54 mil euros pelo nascimento de 99 crianças. Se, em Mora, o primeiro filho recebe 500, o segundo 1000 e a partir do terceiro 1500, na Póvoa de Lanhoso os apoios são de 500 euros para o primeiro e segundo filhos, 750 para o terceiro e de 1000 a partir do quarto. Enquanto em Mora os pais podem usar os cheques no que quiserem, na Póvoa de Lanhoso têm de ser gastos no comércio local, em artigos para os bebés: roupa, alimentação, carrinhos, produtos de farmácia, de higiene...

“Esta medida social representa, em primeiro lugar, uma ajuda simbólica, um mimo, para as famílias povoenses que decidem ter filhos. Queremos estar perto das pessoas, das famílias do nosso concelho e apoiá-las no que está dentro das nossas possibilidades e acreditamos que este é também um contributo para a natalidade”, diz o autarca Manuel Baptista, frisando que o facto de o dinheiro ter de ser gasto no comércio local representa um investimento no concelho.

Também em Cinfães, parte do subsídio tem de ser gasto no comércio local. No início do ano, o presidente da câmara anunciou que as crianças que nascerem vão receber um subsídio de 1000 euros, para além de poderem obter gratuitamente a vacinação contra a meningite. Neste caso, o subsídio será pago em duas partes: uma prestação única em dinheiro no valor de 250 euros e outros 750 euros pagos a título de reembolso de despesas feitas no concelho durante o primeiro ano da criança.

Em Cinfães, ainda não foi atribuído nenhum subsídio — o regulamento entra em vigor a 1 de Março com retroactividade a 1 de Janeiro —, mas o autarca Armando Mourisco sabe que este ano já nasceram sete crianças e espera que “muitas mais nasçam”: “É esse o meu desejo e esperança”, diz, salientando que o concelho perdeu, em 10 anos, cerca de dois mil habitantes, 900 dos quais jovens.

Crise “não ajuda”
Em Mora, os incentivos à natalidade começaram a ser atribuídos em Outubro 2004 (ver texto nestas páginas). O presidente da autarquia, Luís Simão, diz que o objectivo é ajudar os casais: “Não é por causa do dinheiro que as pessoas têm mais filhos. Não é uma quantia de desprezar, é uma ajuda para os primeiros gastos, mas não é por causa dos incentivos que a população nos concelhos aumenta”, defende.

Ana Leonor Salgueiro, 27 anos, empregada de cozinha num restaurante, e Luís Salgueiro, 41 anos e empregado de mesa no mesmo restaurante, receberam o subsídio pelo nascimento de Alice, a 18 de Março de 2013. Apesar de ser o primeiro filho de Ana Leonor, como é o segundo de Luís Salgueiro, receberam 1000 euros.

Puseram o dinheiro numa conta para a filha. “Se não estivéssemos os dois a trabalhar, se calhar tínhamos usado para comprar coisas para a Alice”, diz a mãe, acrescentando que os produtos para os bebés são “muito caros” e que, sempre que pode, compra “marca branca”.

Também este casal não pondera ter mais filhos: “Só se vier por acidente de percurso… Agora, gostar, gostar, gostava de mandar vir um menino, um João Luís… Mas isto está muito mau”, desabafa Ana. “Ter um filho é muito dispendioso. E este contexto não ajuda.”

Já Ana Canelas, de 32 anos, responsável pela Oficina da Criança de Mora, recebeu 1500 euros pelo terceiro filho, depois de ter já recebido 1000 pelo segundo: tem uma menina de 11 anos, e dois rapazes, o Miguel de seis anos e o Pedro de oito meses. Em conjunto com o pai, António Vitorino, 35 anos, assistente técnico na Casa Municipal da Cultura de Mora, decidiu aplicar os 1000 euros pelo nascimento do segundo filho na recolha de células estaminais. Já os 1500 pelo terceiro foram gastos sobretudo em despesas de saúde: “Ele sofreu de retardo de crescimento uterino e tivemos de fazer mais consultas de neonatologia e pediatria”, conta a mãe. Mas, como do filho anterior já tinha carrinho, berço e outros objectos, ainda “sobrou dinheiro”.

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