Governo admite abrir ADSE a trabalhadores do Estado com contrato individual

Com o financiamento da ADSE a ser assegurado quase em exclusivo pelos seus beneficiários, os sindicatos têm vindo a reclamar que é altura de abrir o sistema a todos os trabalhadores.

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Manuel Teixeira: “A ADSE é um seguro de baixo custo para os beneficiários” Daniel Rocha

O Governo está a estudar a possibilidade de abrir a ADSE (Direcção-Geral de Protecção Social dos Trabalhadores em Funções Públicas) a outros trabalhadores de organismos públicos que, actualmente, não podem beneficiar do subsistema de saúde, mesmo estando a trabalhar para o Estado.

Com o financiamento da ADSE a ser assegurado quase em exclusivo pelos seus beneficiários, os sindicatos têm vindo a reclamar que é altura de abrir o sistema a todos os trabalhadores, independentemente do vínculo, e de o Estado se afastar da gestão ou pelo menos de a partilhar com os beneficiários. Uma solução que também é proposta por vários especialistas na área da saúde.

“Estes cenários estão a ser estudados, parecendo fazer sentido a primeira hipótese relativa à possibilidade dos trabalhadores com contratos individuais de trabalho com instituições do Estado, em sentido lato, poderem ter acesso ao subsistema”, garantiu ao PÚBLICO o secretário de Estado da Saúde, Manuel Teixeira.

Com o memorando da troika, o Governo comprometeu-se a reduzir drasticamente o financiamento da ADSE e dos subsistemas de saúde dos militares e das forças de segurança (ADM e SAD) e a torná-los auto-sustentáveis, no sentido em que são financiados apenas pelas contribuições dos seus beneficiários. Em 2013, o plano de actividades da ADSE já previa que a contribuição dos beneficiários representaria 63% do financiamento, mas esta percentagem deverá ter sido maior, uma vez que os descontos passaram de 1,5% para 2,25% em meados do ano. E, este ano, o financiamento do sistema ficará praticamente a cargo de quem dele beneficia. Uma mudança radical face a 2011, quando mais de 60% do financiamento estava a cargo do Estado.

José Abraão, dirigente da Frente Sindical para a Administração Pública (Fesap), não tem dúvidas de que a ADSE “devia abrir-se a toda a gente, independentemente do contrato e da natureza da entidade pública”. Mas há quem defenda que o sistema devia abrir-se também aos trabalhadores do sector privado. É o caso de José Mendes Ribeiro, economista e coordenador do grupo técnico para a reforma hospitalar, que considera que essa abertura não apresenta riscos, lembrando a lógica das seguradoras privadas de que “quanto mais aumenta a população coberta, mais o risco está diluído”.

Pedro Pita Barros, economista e professor da Universidade Nova, entende que a ADSE poderá evoluir para um sistema em que os beneficiários teriam uma capitação ajustada do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e todos os cuidados de saúde seriam pagos pela ADSE ou então para um sistema similar aos seguros privados que actualmente complementam o SNS. Em qualquer dos casos, defende, “não há razão de princípio para não abrir a todos os cidadãos a possibilidade de pertencer ao sistema, desde que haja regas de entrada e de saída claras”.

Gestão partilhada
Há muito que os sindicatos reclamam um papel mais activo dos beneficiários na ADSE, debate que ganhou expressão com o aumento do peso dos beneficiários no financiamento do sistema. Actualmente, a direcção-geral tem um conselho consultivo ontem têm assento representantes dos principais sindicatos da função pública, mas limita-se a reunir-se uma a duas vezes por ano, para tomar conhecimento dos relatórios e contas e pouco mais.

José Abraão é contra a saída definitiva do Estado do financiamento da ADSE e lembra que no sistema de saúde dos bancários, os SAMS, a banca tem um papel importante no financiamento. Mas se o Estado deixa de a comparticipar, então o sistema “devia ser gerido pelos beneficiários à semelhança do que acontece em França”.

“Deixa de se compreender que o Estado tenha um papel de gestão na ADSE. Devem ser os beneficiários a gerir”, realça também Manuel Ramos, o representante da Frente Comum no conselho consultivo da ADSE. O sindicalista receia que com o aumento dos descontos os trabalhadores com salários mais elevados optem por sair do sistema.

O secretário de Estado da Saúde considera que o risco “é diminuto” e lembra que “não se tem verificado uma tendência de abandono”: desde que essa possibilidade surgiu, em 2011, apenas 800 pessoas, de um universo de mais de 1,3 milhões de beneficiários. “A ADSE é um seguro de baixo custo para os beneficiários que se compara muito favoravelmente com os seguros privados”, justifica Manuel Teixeira.

Voltando ao modelo de gestão, António Correia de Campos, antigo ministro da saúde do PS, defende que “a ADSE pode vir a ser uma mútua de acordo com o seu desenvolvimento e desde que a adesão seja livre. Não vejo problema em serem os sindicatos a geri-la e a decidirem o que se contrata ou subcontrata. Em Espanha há 12 anos que é assim.” “Mas a ADSE nunca poderá ser transformada num seguro privado, pois não introduz os mesmos limites. Tem de ser uma mútua para manter o princípio da solidariedade, mas é preciso ver que para funcionar só fará os serviços que pode pagar ou passará mais encargos para o cidadão, que valoriza tanto a livre escolha que os seus pagamentos são elásticos”, defende Correia de Campos.

Mendes Ribeiro também acredita que a gestão pode passar por incluir sindicatos e dá o exemplo da ADSE de Espanha que é entregue, por concurso, a uma seguradora que a administra durante um determinado número de anos. “De futuro, seria fundamental definir uma capitação em que o SNS pagaria à ADSE o que esperava gastar com essa pessoa e o subsistema geria tudo”, diz, considerando que acima dos 2,5% de descontos os beneficiários merecem este tipo de compensação ou deduções fiscais.

Para o sistema não entrar em colapso com o aumento das despesas no futuro, Mendes Ribeiro diz que é preciso ir analisando anualmente o orçamento e “ir introduzindo mecanismos de gestão da doença” que tornem o sistema mais eficiente.

Adalberto Campos Fernandes, médico e presidente da comissão executiva dos SAMS, alerta que a ADSE está exposta aos mesmos riscos demográficos e de inovação que o Estado, por isso “precisa de uma gestão muito mais profissional que hoje não tem, em que os sindicatos podem ser parceiros, como acontece nos bancários. Se for benéfico para a ADSE, só vejo motivos para que seja aberta a mais gente”.

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