CGD “negoceia” silêncio com a CMVM

Caixagest e Caixa BI aceitam pagar cada uma 150 mil euros, valor que classificam baixo, para evitar que as transcrições das gravações das conversas entre traders e corretores cheguem ao tribunal.

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A Caixa Geral de Depósitos (CGD) requereu, no início deste mês, à CMVM que não publicitasse a multa de 300 mil euros que aplicou à Caixa BI e à Caixagest, com o compromisso de que o grupo estatal não recorreria judicialmente da decisão do regulador.

A autoridade de fiscalização das operações de bolsa acusa as duas sociedades da CGD dos crimes de manipulação de mercado, de violação dolosa do dever de não utilização de informação privilegiada relativa a emitentes e de quebra do dever de defesa dos investidores (nomeadamente dos pequenos accionistas).

No dia 9 de Janeiro, a Caixagest, que actuou como trader, e a CaixaBI, a corretora/broker, entregaram à entidade liderada por Carlos Tavares dois requerimentos onde se manifestam disponíveis para pagar as duas multas de 300 mil euros (150 mil euros cada) aplicadas pela CMVM, mas desde que o regulador garanta que guarda silêncio. Ou seja, que a CMVM não divulga os castigos no seu site oficial (coimas e fundamentos). A Caixagest (Sociedade Gestora de fundos de investimento mobiliários e gestão discricionária de carteiras da CGD) e a CaixaBI (banco de investimento) não assumem, porém, “a culpa” dos delitos que lhes são imputados.

“A CMVM não comenta.” Foi a resposta que o PÚBLICO obteve do regulador quando questionado sobre se já respondeu aos pedidos dos infractores para que não comunique ao mercado a sua deliberação. Também a CGD declinou falar sobre o tema.

Movimentos irregulares com acções
As investigações da CMVM apuraram que em vários períodos de 2008, a Caixagest e a Caixa BI desencadearam movimentos irregulares com acções do Finibanco (hoje Montepio Geral), da Cofina, da SAGgest, da Martifer, da Impresa e da Sonae Capital. Ointuito seria o de valorizar os activos nas carteiras dos fundos de investimento geridos pela Caixagest.

E em 2012 o supervisor considerou as situações reconduzíveis a crimes de manipulação de mercado relacionados com transacções fictícias, sustentação do preço e marcação da cotação de fecho e que justificaram uma participação junto do Ministério Público (diferente da acção que correu na CMVM).  Este processo ainda está a correr.  

A decisão de que as duas sociedades, bem como os três traders da Caixagest e os dois corretores da CaixaBI, cujas condutas são questionadas pela CMVM, não iriam contestar as multas, foi comunicada à administração e à Comissão Executiva da CGD, liderada por José Matos, na segunda quinzena de Dezembro. Para além dos riscos materiais e reputacionais para o grupo estatal de uma impugnação (com a consequente divulgação dos argumentos da decisão), o banco considerou que o valor das coimas foi colocado nos mínimos e que, apesar das acusações de dolo à Caixagest e à Caixa BI, o regulador absolveu os administradores, tendo apenas visado os brokers e os traders.

O facto de na acusação da CMVM constarem múltiplas transcrições de gravações das conversas (prática na actividade) entre as mesas de trading da Caixagest e os corretores da Caixa BI, reduzia, do ponto de vista do grupo estatal, as hipóteses de sucesso de uma contestação judicial. Isto porque a leitura das transcrições das gravações por parte do tribunal acabaria por condicionar, em desfavor do banco, a opinião do juiz.

A CGD concluiu ainda que a substância da acusação da CMVM reflecte uma clara melhoria na argumentação em comparação com a contraordenação, ainda que apresente falhas.

Apesar das duas sociedades estatais da CGD surgirem como as protagonistas das averiguações da CMVM, há mais quatro entidades visadas: o Santander, o BIG, o BESI e a Fincor. E que foram multadas pelo regulador com coimas entre 25 mil e 50 mil euros, com pagamento parcialmente suspenso. O PÚBLICO apurou que a intenção generalizada neste grupo de instituições privadas é para pagar as multas e deixar os processos “morrerem”. Recorde-se que nas transcrições das gravações constam também várias conversas envolvendo os brokers do Santander, do BESI, do BIG e da Fincor e os colaboradores da CGD e que foram consideradas pelo supervisor igualmente ilícitas.

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