Islamistas e oposição laica da Tunísia escolhem primeiro-ministro para o governo de transição

Mehdi Jomaa, 50 anos, é um tecnocrata, mas também é um homem próximo do Ennahda.

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Mehdi Jomaa irá formar um governo independente Reuters

Os partidos políticos da Tunísia escolheram Mehdi Jomaa para formar o governo independente que tentará tirar da crise e do caos político o país onde nasceu a chamada "Primavera Árabe", em 2011. Jomaa é o ministro da Indústria na actual coligação, que é dominada pelos islamistas do Ennahda.

A nomeação culminou meses de negociações difíceis e que chegaram a ser interrompidas — a escolha de Jomaa levou a que três partidos abandonassem o diálogo por não concordarem com a proposta; ao todo participaram na conferência para o entendimento nacional 21 partidos.

“O nosso povo esperou demasiado tempo, mas, apesar das dificuldades e obstáculos, o diálogo não foi em vão”, disse o mediador das negociações entre os islamistas e os partidos laicos Hucine Abasi, secretário-geral da influente organização sindical UGTT (União Geral dos Trabalhadores da Tunísia).

A escolha de Jomaa não significa que o processo que se segue vai ser totalmente pacífico. Os islamistas do Ennahda — que fizeram uma primeira cedência no mês passado aceitando afastar-se do poder ainda este mês, dando lugar a um governo de transição — já questionaram o calendário previsto para o novo executivo entrar em funções e marcar eleições legislativas em 2014. O Ennahda tem repetido que o governo transitório só pode tomar posse quando houver uma nova Constituição — a nova lei fundamental tunisina está a ser redigida há já dois anos — e uma nova lei eleitoral.

Alguns críticos disseram que o Ennahda está a tentar arrastar a transição de forma a conseguir deixar algumas marcas na legislação.

A crise e o caos instalaram-se na Tunísia depois do assassínio, em Julho, do líder da oposição laica Mohammad Brahmi; era uma das principais figuras da esquerda nacionalista e foi morto com 14 tiros à porta de casa em Tunes, suspeitando-se que jihadistas tenham sido os autores do crime.

A morte de Brahmi gerou protestos em muitas cidades do país, exigindo os manifestantes a demissão do governo islamista. Após a revolução de Janeiro de 2011 que depôs o regime de Zine El Abidine Ben Ali, islamistas radicais foram acusados (mas nem sempre responsabilizados) de actos de violência, por exemplo, o ataque de Setembro contra a embaixada dos Estados Unidos. Na cidade de Sidi Bouzid (onde a revolta começou ainda em 2010; terça-feira a Tunísia assinala o 3.º aniversário do início da revolução), manifestantes atacaram sedes do Ennahda, ateando fogo a algumas delas, relatou a Reuters na altura.

Em Outubro, começaram as negociações que pareciam estar destinadas a falhar — a UGTT dera um prazo aos partidos para se entenderem, e esse prazo acabou sábado de manhã; o acordo foi firmado nos últimos minutos. O nome que reunia mais consenso, o político e sindicalista Mustapha Filali, acabaria por se afastar do processo por considerar que é demasiado velho para liderar o país neste momento delicado. Tem 92 anos, Mehdi Jomaa tem 50.

O nome do futuro primeiro-ministro interino foi bem recebido pela imprensa tunisina citada pela AFP. O jornal Adhamir disse que o entendimento entre os islamistas e a oposição secular — e a escolha do ministro da Indústria — era um “sinal de esperança” na pacificação da Tunísia. “A escolha de Mehdi Jomaa mostra que o nosso povo é capaz de resolver os seus desacordos pela via do diálogo”, lia-se no jornal — noutro país da Primavera Árabe, a chegada ao poder dos islamistas provocou um golpe militar e centenas de mortos.

O diário La Presse, mais prudente, notava que a escolha do engenheiro era o resultado de “uma maratona desesperada” de negociações cheias de “golpes de teatro”. Sublinhava que Jomaa é um tecnocrata, mas é também próximo do Ennahda e que a oposição pode ter cometido um erro ao aceitá-lo como primeiro-ministro interino.
 
 
 
 

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