Prémio Nobel promete não tornar a publicar em “revistas de luxo” como a Cell, a Nature e a Science

Um dos cientistas que foi esta semana a Estocolmo receber o Prémio Nobel da Medicina acusa três prestigiadas revistas científicas de “distorcerem” a ciência ao preferirem publicar os resultados mais glamorosos – e não necessariamente os mais importantes.

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Prestigiadas revistas científicas estiveram esta semana sob o fogo da crítica WIKIMEDIA COMMONS/VMENKOV

Num artigo publicado esta segunda-feira no diário britânico The Guardian, o biólogo Randy Shekman, da Universidade da Califórnia e um dos co-laureados deste ano do Prémio Nobel da Medicina, afirma que publicações científicas de prestígio mundial como a Cell, a Nature ou a Science “cultivam agressivamente as suas marcas” e que “à maneira dos designers de moda, que criam edições limitadas de malas (…), restringem artificialmente o número de artigos que publicam”. Ao fazerem isso, escreve o investigador, essas publicações influenciam a ciência que é feita pelos cientistas (…), gerando bolhas nas disciplinas que estão na moda”.

Uma medida da qualidade científica das revistas, cuja utilização abusiva tem vindo a ser cada vez mais criticada, é o seu “factor de impacto” – ou seja, o número de vezes que os artigos nelas publicados são ulteriormente citados.

“Reza a teoria”, escreve Sheckman, “que quanto melhores forem os artigos mais citados serão, fazendo com que os jornais que os publicam tenham maiores factores de impacto”. Mas, segundo o cientista, esse indicador tem uma “falha profunda”, uma vez que não informa sobre a qualidade individual dos trabalhos publicados, mas apenas sobre a sua qualidade média.

Shekman, que é actualmente editor da revista elife, uma publicação online de acesso livre, acha que as revistas que todos podem ler gratuitamente representam o caminho a seguir para acabar com a “tirania das revistas de luxo”. E chega ao ponto de prometer que ninguém, no seu laboratório, tornará a publicar resultados numa dessas revistas.

Este parece ser o último episódio de uma “guerra” que está a ser travada entre as grandes publicações científicas impressas, que vivem das assinaturas, e as publicações digitais de acesso livre, que vivem do dinheiro que os autores pagam para divulgar os seus resultados. Recorde-se que, há umas semanas, a Science publicou a investigação de um jornalista que “desmascarava” alguns processos duvidosos de avaliação científica dos artigos submetidos para publicação junto das revistas científicas online. O jornalista enviara um artigo científico para cerca de 300 revistas deste tipo  – artigo que, apesar de ser obviamente falso, foi aceite por cerca de metade das revistas contactadas.

Um dos problemas gerados pelos factores de impacto é que, quando se trata de obter financiamento ou de arranjar emprego numa instituição científica, as revistas onde o investigador-candidato publicou os seus resultados são uma componente importante do seu currículo. Ora, esta atitude da comunidade científica tem de mudar, diz por seu lado Sebastian Springer, da Universidade Jacobs de Bremen (Alemanha), que já foi colaborador de Shekman, citado pelo Guardian num artigo noticioso acerca das declarações do recém-nobelizado biólogo. "As tomadas de posição individuais não são suficientes", frisa Springer.

O próprio director da Nature, também citado nesse artigo, concorda: “A comunidade científica tende a confiar demasiado nos resultados da investigação em função da revista onde são publicados”, afirma, acresentando que há anos que vem alertando para os perigos dos factores de impacto nas páginas da sua revista.
 
 

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