Cristiano Ronaldo: o génio, a obsessão e a auto-estima

1. Cristiano Ronaldo foi, muitas vezes, acusado de não aparecer nos momentos decisivos da selecção (e até dos seus clubes). O Euro 2012 já tinha ajudado a desfazer essa ideia – lembram-se do jogo com a Holanda? – e o play-off contra a Suécia convencerá até o mais céptico dos cépticos. Portugal tem vários jogadores de nível mundial (de Pepe a Moutinho, passando por Coentrão e Nani), mas nenhum como Ronaldo, um jogador que já ganhou o direito a estar na galeria dos génios futebolísticos, como Pelé ou Maradona. O hat-trick aos suecos foi apenas mais uma manifestação da genialidade deste jogador único. Ronaldo tem a capacidade física dos melhores atletas, uma eficácia técnica incomum (especialmente no remate) e uma força mental que desafia a lógica – quantos aguentariam a pressão a que ele está sujeito?

A forma como decorreu a eliminatória contra a Suécia comprova que esta é a selecção de Cristiano Ronaldo. Portugal vai ao Mundial 2014 por causa dele e o que lá fizer dependerá muito dele. É certo que nenhum futebolista joga sozinho (Ibrahimovic que o diga) e que em algumas ocasiões a selecção portuguesa não foi mais longe por falta de opções, mas a verdade é que será Ronaldo a ditar o tom da participação portuguesa no Campeonato do Mundo. O jogador do Real Madrid chegará ao Brasil com 29 anos, no auge da sua forma física e mental. Em 2018, Ronaldo terá 33 anos e (mesmo que Portugal se qualifique) dificilmente será tão excepcional como agora.

2. É fácil (popular e justo) fazer elogios a Cristiano Ronaldo depois de uma exibição tão memorável. Menos popular (mas igualmente justo e sensato) é sublinhar que o jogador do Real Madrid e muitos adeptos caíram numa obsessão irracional sobre o “melhor do mundo”. Cada vez que Ronaldo marca um golo ou faz uma grande exibição, lá sai mais um “é o melhor do mundo”. O que é perfeitamente razoável. O mesmo já não se pode dizer do que muitos acrescentam a seguir, transformando Lionel Messi no odioso. A mesma histeria irracional (com Ronaldo como alvo) propaga-se pelos adeptos da Argentina e de Barcelona quando Messi faz uma exibição memorável. Como adepto de futebol, até acho divertido discutir quem prefere Ronaldo ou Messi ou teorizar sobre quem merece a Bola de Ouro. O que irrita é que esta discussão resvale para o campo de uma irracionalidade tão extrema que os adeptos se tornam incapazes de apreciar uma era única no futebol mundial. É que pela primeira vez desde Pelé e Eusébio (e nessa altura não havia a televisão global ou Internet), dois génios futebolísticos são contemporâneos. Cada jogo de Ronaldo (e de Messi) é para apreciar. Não para mergulhar em rivalidades doentias.

3. O futebol é, muitas vezes, olhado com desdém. É o ópio do povo, dizem. Só serve para desviar atenções dos temas importantes. Às vezes, até pode parecer isso. Às vezes até serve para isso. Mas, na essência, o futebol é um fenómeno social, cultural e artístico com a mesma nobreza que tantos outros. Nem mais, nem menos do que ir ao cinema, ao teatro ou à dança. E sendo um negócio (em que, aliás, os portugueses são bons, como em poucas outras áreas) até ajuda a economia. Não é a qualificação para o Mundial que nos vai salvar da troika, nem livrar da pobreza. Mas, em Junho, é certamente melhor para a economia portuguesa que a selecção vá ao Brasil. E o sucesso da selecção, de Cristiano Ronaldo ou José Mourinho (independentemente de se gostar ou não do estilo) é inspirador. Há portugueses que são dos melhores do mundo no fazem. É só seguir-lhes o exemplo.

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