Onde detemos os nossos olhos? A educação vai ter de esperar

Muito lentamente, a conta gotas, a população portuguesa vai dispondo de mais informação acerca do desempenho social das suas escolas. O Ministério da Educação e Ciência (MEC) vai aquiescendo a fazê-lo, a muito custo, quando devia considerar a produção desta informação como um imperativo, uma vez que lhe cabe orientar a aplicação, bem ou mal, do muito dinheiro que as famílias lhe entregam todos os anos para a educação escolar.

Mas... a informação fornecida é ainda muito escassa: as taxas de conclusão apenas nos dizem qual é a razão entre os alunos que começam e os que acabam, com aproveitamento, o 12.º ano. Ora, se já ficamos a saber algo, é urgente completar esta informação, pois importa perceber o que é que cada escola com ensino secundário é capaz de fazer, durante três anos, com todos os alunos que recebe no início do ciclo de estudos de três anos (e em todos os cursos que tem), do 10.º ao 12.º ano.

Sabemos que a selectividade escolar é imensa e que ela tem a cara da selectividade social. Mas não sabemos como nem porquê, quando ocorre e com que consequências, tanto para os alunos como para as escolas e as suas opções, para o ensino superior e para o conjunto da sociedade.

Lembro-me de um director de uma escola secundária que entrevistei, há dois anos, para uma investigação que temos em curso: “Por vezes fico sem saber o Norte. Se acolhemos todos os alunos que nos procuram e com todos fazemos um cuidado trabalho, levando-os a todos o mais longe possível, mesmo os ciganos, acabamos por perder lugares no ranking; se somos mais selectivos, tanto à entrada como durante o percurso escolar do secundário, deixando cair os que têm mais dificuldades de aprendizagem, subimos logo no ranking; já usei as duas estratégias e a maioria da comunidade envolvente penaliza-nos menos quando somos mais selectivos.”

Pois é: a missão e a responsabilidade social da escola é aqui mesmo que se joga. Sabemos, mas não por estes dados, que há muitas reprovações ao longo do caminho, sobretudo no 10.ºano, que há “transferências” entre cursos e entre tipos de escolas, o que anuncia escolhas mal feitas, que há anulações de matrículas, em busca de melhores classificações em outras escolas e colégios e em sede de exames, que há absentismo elevado em alguns locais. Conhecer esta realidade tão dramática do insucesso no ensino secundário (o ciclo de estudos onde ele é maior) talvez seja o primeiro passo para pensar e para agir, atempada e adequadamente.

Afinal, o que queremos fazer do nosso ciclo secundário de ensino e formação? São três anos que, já não oferecendo o mesmo percurso para todos, servem a cada um para quê? Como nos estamos a preparar para fazer bem feito aquilo que pretendemos ver florescer no país e em cada comunidade local? Os cursos gerais e profissionais servem como estão? Vários directores escolares dizem que estas vias são insuficientes, dada a multiplicidade de expectativas e de competências...

Anda tudo muito entretido com guiões que servem para pouco, quando é urgente definirmos, em conjunto, aquilo que é importante, tanto para os cidadãos e pais dos alunos, como para o conjunto da sociedade. Contactei várias escolas a propósito deste trabalho e, mais uma vez, vários directores me confidenciaram que não tinham pensado sobre estes resultados, não tinham cruzado os dados que eles próprios fornecem ao MEC, que vivem atolados em burocracias, agrupamentos e reagrupamentos, normas e mais normas, sempre em alteração, revolvidos com as consequências da perda de recursos, etc. Ora, estamos aqui diante de um problema da maior gravidade.

Os directores desfocados
Sabemos que é o foco que o a director/a e a sua equipa imprimem na “comunidade escolar” que determina, em grande medida, aquilo para que se olha com atenção, aquilo que se analisa com redobrado cuidado, que estabelece o como se olha, o durante quanto tempo se olha e as consequências muito diversas que estas diferentes focagens alcançam.

De facto, as políticas educativas e as escolhas que têm vindo a ser feitas não são alheias a uma inequívoca desfocagem das escolas face aos resultados académicos dos seus alunos. As escolas, nos últimos quatro anos, têm estado a ser sucessivamente sacudidas por vagas sucessivas de agrupamentos e reagrupamentos, as direcções têm mudado em muitos agrupamentos, os directores têm sido compelidos a proceder a uma contínua redução do número de efectivos, ao mesmo tempo que têm de atender a alterações legislativas ininterruptas.

Diziam-me vários directores ouvidos para a análise destes resultados: “Sabe, professor, nos últimos tempos penso em tudo menos nos alunos!”

Confesso que é a pior coisa que um director de uma escola me pode dizer. E não o será também para todos nós, portugueses, jovens, pais e avós? A nossa preocupação e a dos governantes deveria ser a de criar condições para que, em cada escola, todas as atenções se centrassem sobre os alunos e as suas aprendizagens.

Esta não é a única má notícia. Se a isto adicionarmos o fenómeno crescente do “arrastamento” dentro do secundário, por parte de muitos jovens, então... pior ainda estará para vir.

Geração que se arrasta?
De facto, com a recente obrigatoriedade dos estudos de nível secundário e com a simultânea e ruidosa propagação mediática (sempre muito espectacular e sempre pouco elucidativa) acerca do alarmante desemprego dos licenciados, as escolas secundárias são cada vez mais habitadas por uma população jovem que por ali se vai arrastando. Os tradicionais habitantes contam agora com novos vizinhos, habitualmente dali distanciados (com as cambiantes de cada local). A seguir à dita “geração rasca” vem agora a que se arrasta?

Carles Feixa fala da vida juvenil de hoje como “ritualizações do impasse” e da transição para a vida adulta e autónoma como o “país do nunca mais”, dado o adiamento sucessivo das opções que realmente interessam a uma vida decente: nunca mais sai da escola, nunca mais encontra emprego, nunca mais sai da casa dos pais, nunca mais constitui família... Sem futuro, o presente torna-se, ao mesmo tempo, tábua de salvação (o presentismo) e masmorra.

Imersos num contexto socioeconómico tão negativo e tão prolongadamente depressivo, muitos jovens que hoje são “obrigados” a permanecer nas escolas após o 9.º ano, apenas esperam que o futuro venha ao seu encontro, com as habituais salvações para as quais foram preparados pelos seus pais, mas sem os riscos e as incertezas, agora mais que certos, para os quais ninguém os quis ou quer preparar.

Se o foco das escolas e dos seus directores não está nos alunos e nas suas aprendizagens, que melhorias nos resultados futuros podemos afinal esperar? Dizia-me um director de uma escola do contexto 1: “Nós temos tido bons resultados porque fazemos, desde o 10`.º ano, persistentemente, um autêntico trabalho de tutoria dos nossos alunos.” De facto, sem proximidade pedagógica não há teoria escolar que se salve.

Desorientação escolar
Contabilizamos, no nosso país, um bom trabalho já realizado no campo da orientação escolar, em várias escolas, mas ele é ainda muito insuficiente, sobretudo por falta de recursos (há também falta de qualidade de algumas intervenções técnicas). Aquilo de que os docentes e as direcções se queixam é da desorientação que grassa no fim do ensino básico e da procura desinformada e desnorteada dos cursos do ensino secundário geral. De facto, muitos alunos só quando chegam aos cursos de Línguas e Humanidades (para os quais fogem muitas vezes por impreparação em Matemática ou em Física) ou aos Científico-Tecnológicos é que descobrem que este não devia ter sido o seu caminho. Então reprovam, abandonam ou, na melhor saída, mudam de curso. Os custos pessoais e sociais, além dos económicos, são imensos! E poderia ser bem diferente!

Mas aí, na escolha de cursos, surge outro problema que nos vem sendo identificado pelas escolas: não há suficiente oferta de cursos profissionais e de outras alternativas de formação, para que os alunos possam efectivamente escolher e seguir um percurso pessoal mais adequado e com mais sucesso escolar. Houve até, este ano, diminuição de turmas de cursos profissionais, em algumas escolas.

Ora, nós estamos em Portugal e, embora as políticas seguidas muitas vezes sejam as alemãs e as finlandesas, o país também precisa de respostas made in Portugal, certamente sempre abertas a todo o mundo e bebendo do melhor que por aí se faz. Penso que Portugal não tem nem textura social nem cultura embebida que nos permita pensar que perto de 65% de cada nova geração “deve” ser encaminhada, desde cedo, para prosseguir, com sucesso, estudos superiores de tipo universitário. A actual crise só agrava esta realidade. É preciso qualificar devidamente as novas gerações, sem dúvida, mas o ensino superior politécnico devia contar mais para o cumprimento deste objectivo e focar-se, também ele, no essencial da sua missão.

Concluindo: continuamos a não dispor de informação cuidada sobre os percursos dos alunos e prossegue a dificuldade em obtermos dados que permitam comparar escolas públicas, escolas privadas com contratos de associação e escolas privadas. Os fracos resultados escolares permanecem; mas, mais grave do que isso, é que não se avista luz ao fundo do túnel, ou seja, um quadro geral de melhorias sistémicas, graduais e persistentemente procuradas. O foco está dirigido para responder às pressões da escassez financeira e às várias pressões políticas para se reforçar a selectividade escolar. A educação, propriamente dita, vai ter de esperar.

Professor Catedrático e investigador da Área da Educação – Faculdade de Educação e Psicologia da Católica Porto

Leia mais no suplemento de 48 páginas sobre os Rankings com a edição impressa deste sábado.

Especial Rankings em http://www.publico.pt/ranking-das-escolas

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