Estudantes franceses na rua contra a expulsão de uma imigrante cigana

O fraccionamento dos socialistas é cada vez mais evidente, mas o ministro Manuel Valls é o trunfo de Hollande contra a Frente Nacional de Marine Le Pen.

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Manifestação em frente do liceu Turgot, em Paris Charles Platiau/REUTERS

Os alunos do ensino secundário de Paris (França) encerraram nesta quinta-feira 14 escolas em protesto contra a expulsão, pelo Governo socialista, de estudantes que eram imigrantes ilegais. Foram mobilizados por dois casos concretos – o de Leonarda Dibrani, cigana kosovar de 15 anos, e Khatchik Kachatryan, arménio de 19 anos – e exigem a demissão do ministro do Interior, Manuel Valls.

O sindicato dos estudantes do secundário, FIDL, mobilizou os alunos através das redes sociais e marcou concentrações e manifestações em Paris. Centenas de cem pessoas concentraram-se na reitoria da Universidade de Paris e houve uma marcha em direcção à Praça da Nação. O sindicato pediu aos "pais dos estudantes de Paris" para se juntarem à marcha e apelou às escolas de todo o país para se juntarem ao protesto nos próximos dias.

"A palavra de ordem é mobilizarmo-nos pelo regresso de todos os estudantes expulsos", disse ao jornal Le Monde o porta-voz do FIDL, Steven Nassiri. "É inadmissível que, tendo nós um Governo de esquerda, sejam precisos papéis para se ir à escola. A educação é um direito de todos", acrescentou.

A ida dos alunos para a rua - onde gritaram, "Com ou sem pa´péis são todos como nós, estudantes - adensou uma crise que alguns esperavam que se desanuviasse com a passagem dos dias. As tensões dentro do Governo, as fracturas dentro do aparelho socialista e o embaraço do ministro do Interior foram potenciadas com a expulsão de Leonarda Dibrani, de 15 anos, que há cinco frequentava o ensino público francês (em Doubs, no Leste da França).

A rapariga, cigana kosovar, seguia numa camioneta com a turma numa visita de estudo a uma fábrica de automóveis quando foi presa; poucas horas depois, ela e a sua família (mãe e cinco irmãos, dois deles nascidos em França e, por lei, cidadãos franceses), tinham sido colocados num avião a caminho do Kosovo.

Numa entrevista à rádio France Inter, Leonarda contou que está com a família em Mitrovica, uma cidade que é um enclave sérvio no Kosovo. Disse que, por ser cigana, não pode ir à escola e como a família não tem casa está a dormir "na rua, em bancos" - debaixo dos holofotes mediáticos, os Dibrani foram entretanto alojados numa casa-abrigo. "O que quero é regressar a França com a minha família. Quero voltar às aulas e ter um futuro".

Na Assembleia Nacional (Parlamento), um grupo de deputados indignou-se e exigiu o regresso imediato de Leonarda e da família. Muitos deles são socialistas. Valls anunciou um inquérito para apurar a sequência da expulsão (e se houve falhas, por exemplo, quanto à existência de irmãos franceses); soube-se depois que a investigação foi forçada pelo primeiro-ministro, Jean-Marc Ayrault.

O segundo caso mencionado pelos estudantes nas ruas é o de Khatchik Kachatryan, de 19 anos, que foi expulso no sábado e que, ao chegar à Arménia, recebeu a convocatória para o serviço militar obrigatório, que tem de começar a cumprir em Novembro. Desde que os socialistas chegaram ao poder, dizem as organizações de defesa da integração dos imigrantes através da educação, foram repatriados 50 adultos estudantes.

"Espectáculo" da fractura socialista

Em Setembro, quando o programa de expulsão dos imigrantes ilegais gerou um primeiro momento de tensão dentro do Partido Socialista, o Presidente François Hollande interveio para pacificar o partido e travar a polémica. Agora, diz o jornal Le Figaro, há outra dimensão no "espectáculo" dos socialistas "fragmentados".

Valls – a que a revista britânica The Economist chamou "Sarkozy socialista", no perfil que dele publicou no final do ano passado – é cada vez mais contestado internamente, mas poucos acreditam na sua queda. Pelo menos enquanto dentro do partido não houver uma verdadeira ruptura que conduza à vitória da ala mais à esquerda ou, como dizem alguns, mais socialista.

O presidente da Assembleia Nacional, o socialista Claude Bartolone, usou palavras suaves para criticar o que considera um desvio na ideologia na génese do partido: "Os acontecimentos políticos dos últimos dias confrontaram-me com a ideia de que devemos reconstruir uma República de valores".

A ala pró-Valls, a que domina o poder, é mais directa. "Vemos perfeitamente que, em vez de discutirem a questão de forma objectiva, se está a usar a questão para atirar munições contra Manuel Valls. Alguns deputados socialistas, por motivos internos e se calhar históricos, ganharam o hábito de pôr em causa o ministro do Interior. No seio da maioria há uma vontade de prejudicar que coloca um problema de solidariedade e até de fraternidade", disse o deputado socialista Jean-Marie Le Guen ao jornal L'Opinion.

Valls é o ministro mais popular da equipa governativa de Hollande, com 53% de taxa de aprovação. Porém, os estudos de opinião também mostram que é o favorito do eleitorado mais à direita. Como explica uma análise do Figaro, percebe-se que seja a arma de Hollande nas próximas eleições locais para travar a Frente Nacional de Marine Le Pen (extrema-direita) que está em ascensão e aspira vencer as europeias de Maio e obter uma grande implantação a nível autárquico (que actualmente não tem) nas eleições locais de Março.

Manuel Valls está desde quarta-feira de visita às Antilhas. Antes de sair de França continental, por três dias, disse que não mudará o seu programa de expulsão de imigrantes ilegais. Um seu assessor, confrontado com a possibilidade de a expulsão de Leonarda provocar uma convulsão social, disse que o ministro não via motivo para adiar a viagem.

 


 

 
 
 
 
 

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