Um dia bom para Portugal

Miguel Relvas pediu finalmente a sua demissão, o Governo libertou-se de um pesado fardo político e o país pode congratular-se pelo regresso da normalidade cívica e ética ao regime.

Por breves momentos, temos pois a rara oportunidade para suster a depressão da crise e esboçar, ao menos, um leve sorriso. Porque o ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares não se limitava a representar o protótipo do decisor voluntarista e impreparado. Desses houve e há muitos, infelizmente. O mal de Relvas vem antes do seu percurso na vida pública, onde encarnou os principais vícios do Portugal videirinho, matreiro e disposto a todas as cumplicidades, a todas as negociatas e a todas as manobras de poder para fazer carreira. Muito mais do que um mau governante, o que tornava a presença de Relvas no Governo insuportável para os portugueses era a sua manifesta falta de ética republicana. Por causa dessa lacuna, nunca devia lá ter chegado e, principalmente, nunca deveria ter lá estado este tempo todo.

Não devia nunca e, principalmente, não devia agora porque os tempos que o país vive são tempos especiais. A um Governo que se propõe executar políticas difíceis, que implicam sofrimento, desespero até, a uma boa parte dos cidadãos não bastam boas ideias, esforço ou dedicação. Um Governo de um país desesperado precisa também de legitimidade moral. Quando se viam cartazes espalhados pelo país a mandarem Relvas estudar, quando se ouviam protestos sempre que o ministro saía à rua, não estavam em causa as suas discutíveis decisões em matéria de política autárquica ou nas mudanças na RTP. O que estava em causa era a revolta dos cidadãos contra alguém que simbolizava a injustiça e a desigualdade de oportunidades entre os que trabalham e os que conseguiram um cartão do partido. Em muitos protestos foi-se além do que a tolerância democrática recomenda; mas os jovens ou os desempregados que se empenharam em dizer alto que Relvas não era homem para decidir o que quer que fosse sobre o seu futuro colectivo cumpriram o seu dever.

Findo o ciclo, persiste uma perplexidade: porquê tanto tempo? Será que só agora Relvas deu conta da falta de “condições anímicas” para continuar? Será que Passos Coelho o manteve em funções apenas para mostrar que é ele quem manda e que não cede à vox populi? Será que a amizade urdida nos congressos laranja e cimentada nos negócios falou mais alto? Como nesta quinta-feira disse Relvas, a História tratará de trazer novas luzes sobre este processo. Para já, o Governo liberta-se de um espinho cravado na sua credibilidade. A decência regressou a São Bento. Os ministros podem encarar com outro ânimo uma eventual remodelação ou as dificuldades que se esperam com a decisão do Tribunal Constitucional sobre várias normas do Orçamento do Estado.

Quanto ao país e ao regime, fica a lição para a posteridade. Portugal não é uma república de bananas. Por muito que a soberania popular se manifeste na sua essência no momento das eleições, a sociedade portuguesa não tolera que o seu voto seja usurpado por políticos de baixa condição ética. Não tolera que alguém capaz de se sentir bem com uma licenciatura falsa possa alguma vez governar em seu nome. Não admite o insulto do abuso do poder nem o relativismo e insensibilidade a valores que devem ser matriciais. Não aceita que a mentira se instale no coração do regime. Esta quinta-feira, essa pressão deu finalmente resultados. É um dia bom para Portugal.
 
 
 
 

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