Aos 50 dias de greve de fome, presos de Guantánamo “sentem a morte a chegar”

Protesto no campo prisional norte-americano ganhou proporções inéditas e está relacionado com ofensas ao Corão.

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Protesto no Iémen contra a prisão de Guantánamo Khaled Abdullah/Reuters

Abdalmalik Wahab, de 33 anos, 11 dos quais passados na prisão norte-americana de Guantánamo, está em greve de fome há 50 dias. Tal como o seu compatriota iemenita Uthman Uthman, também ele perdeu 20 quilos num protestos destinado a denunciar a profanação dos seus livros do Corão. Dizem os dois que “sentem a morte a chegar”.

Os dois prisioneiros, enfraquecidos pelo jejum, têm vindo a ser alimentados à força pelos guardas da prisão. Um e outro falaram na passada sexta-feira com o seu advogado, David Remes, por telefone. Cada um teve uma conversa de cerca de hora e meia com o advogado, que resumiu algumas das declarações dos detidos à agência AFP.

No passado dia 6 de Fevereiro, durante uma busca de “rotina”, segundo as autoridades da prisão, foram confiscados objectos pessoais dos detidos e os livros do Corão foram examinados de uma maneira que os prisioneiros consideraram ser “uma profanação religiosa”.

Desde esse dia, Abdalmalik e Uthman cumprem uma greve de fome que envolve, segundo vários advogados, a vasta maioria dos cerca de 130 detidos do Campo 6, conhecido por ser um dos menos radicais de Guantánamo. Entre os que estão presos no Campo 6, encontram-se 86 homens considerados “libertáveis” pela Administração Obama.

Para David Remes, que defende 15 presos, 13 dos quais em greve de fome, o movimento de protesto “não tem precedentes, tanto pela sua amplitude, como pela duração e determinação”.

As autoridades militares davam conta, na passada sexta-feira, de 37 grevistas num total de 166 detidos na prisão, um número quatro vezes maior do que o que tinha sido dado no primeiro balanço do protesto feito no dia 11 de Março.

Segundo o porta-voz da prisão, o capitão Robert Durand, 11 dos grevistas estão a ser alimentados à força através de tubos e dois deles foram hospitalizados para re-hidratação e observação.

Uthman, de 45 anos, contou ao seu advogado como foi alimentado à força, depois de ter sido amarrado a uma cadeira de rodas. Diz ter vomitado sangue e perdido os sentidos. Transferido há quatro semanas para o Campo 5, onde estão detidos os presos em celas disciplinares, Uthman tem acesso a garrafas de água, mas os advogados denunciaram a privação de água potável e as temperaturas “extremamente frias” impostas no Campo 6 para tentar travar a greve de fome. As autoridades militares desmentem categoricamente estas alegações.

Uthman disse ao seu advogado que os outros prisioneiros não confiam nem no novo comando da prisão nem no Comité Internacional da Cruz Vermelha, que visitou Guantánamo mais cedo do que o previsto por causa da greve. A Cruz Vermelha é a única organização autorizada a encontrar-se com os detidos daquela prisão situada na ilha de Cuba. “Ninguém fala com eles”, disse Uthman ao advogado David Remes.

Os presos “sentem a morte, sentem que a morte está a chegar”, disse Abdalmalik na sua conversa com Remes. Para ele, só um acordo sobre a manipulação do livro sagrado vai convencer os grevistas a retomarem uma alimentação normal. “Queremos regras claras”, disse o iemenita. “Ninguém vai esconder nada no Corão. Eu não vou esconder nada no Corão, preciso dele para viver”, sublinhou Abdalmalik para explicar que nenhum preso quer correr o risco de ser privado do livro sagrado na sua cela.

Mas, se para muitos o fim dos “insultos” ao Corão bastaria para terminar a greve de fome, outros detidos poderão decidir continuar com o protesto. “É a expressão última do seu desespero”, já que a possibilidade de algum dia virem a ser libertados é cada vez mais longínqua, diz David Remes. “Os grevistas estão determinados a ir até ao fim”, garante o advogado.

“Diga à minha família para me perdoar se eu morrer”, pediu Abdalmalik antes de terminar a conversa com Remes.
 
 
 
 
 
 
 

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