Bergoglio, o modesto jesuíta que chegou a Papa

Argentino Jorge Mario Bergoglio, de 76 anos, é o primeiro latino-americano a liderar a Igreja Católica. Primeiro Papa não europeu em 13 séculos. Escolheu o nome Francisco. Foi engenheiro químico antes de se tornar padre.

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FILIPPO MONTEFORTE/AFP
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Bergoglio com o seu antecessor, Bento XVI ARTURO MARI/AFP

Um Papa modesto, conservador e preocupado com os mais pobres. São estes alguns dos traços do 266.º Papa, o primeiro latino-americano e jesuíta. Aos 76 anos, o cardeal Jorge Mario Bergoglio é uma surpresa e uma escolha improvável para os que previam que, depois do pontificado curto de Bento XVI, que renunciou devido à idade, o novo Sumo Pontífice seria escolhido entre os mais jovens.

No entanto, sabe-se hoje, o arcebispo de Buenos Aires foi o principal adversário de Joseph Ratzinger na eleição de 2005, tendo chegado a reunir 40 votos dos cardeais eleitores, recorda John Allen no perfil que traçou de Bergoglio para o National Catholic Reporter. Oito anos depois, terá sido o candidato de consenso depois de afastados outros nomes dados como favoritos.

Filho de pai italiano, um ferroviário, oriundo da região de Turim, e de mãe dona de casa, tem quatro irmãos. Bergoglio estudou Teologia na Alemanha e desempenhou vários cargos administrativos na Cúria, o que lhe permite criar pontes entre os dois continentes com mais influência na Igreja Católica.

Bergoglio estudou engenharia química. Mais tarde, quando perdeu um pulmão devido a uma doença respiratória, resolveu seguir o sacerdócio. E agora é o primeiro Papa não europeu desde o ano 752.

Ascensão em plena ditadura 
Nascido em Buenos Aires, em 1936, só seguiu o sacerdócio aos 32 anos. Após a ordenação dedicou os anos seguintes a ensinar Literatura, Psicologia e Filosofia, antes de assumir, na década de 1970, o cargo de provincial da Companhia de Jesus na Argentina. O país vivia então sob ditadura e, enquanto muitos jesuítas se aproximavam da Teologia da Libertação e viam no movimento progressista uma forma de oposição aos generais, Bergoglio insistiu para que se mantivessem fiéis aos princípios espirituais da companhia e se dedicassem ao trabalho pastoral, escreve Allen.

A ascensão religiosa de Jorge Mario Bergoglio coincidiu com um dos períodos mais obscuros da Argentina: a ditadura militar(1976-1983). Foi acusado de não proteger dois jesuítas que foram sequestrados clandestinamente pelo governo militar por fazerem trabalho social em bairros de extrema pobreza. Ambos os padres sobreviveram a uma prisão de cinco meses.

O caso é relatado no livro "Silêncio", do jornalista Horacio Verbitsky, também presidente da entidade privada defensora dos direitos humanos CELS. A publicação leva em conta muitas declarações de Orlando Yorio, um dos jesuítas sequestrados, antes de morrer em 2000.

"A história condena-o: mostra-o como alguém contrário a todas as experiências inovadoras da Igreja e, sobretudo, na época da ditadura, mostra-o muito próximo do poder militar", disse há algum tempo o sociólogo Fortunato Mallimacci, ex-decano da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires.

Os defensores de Bergoglio dizem que não há provas contra ele e que, pelo contrário, o novo Papa ajudou muitos a escapar às Forças Armadas durante os anos de repressão no seu país, tendo mesmo usado um encontro com o general Videla para interceder em defesa das vítimas da ditadura.

Primeiro jesuíta a comandar Igreja Católica 
Como bispo auxiliar (desde 1992) e depois como arcebispo de Buenos Aires (desde 1998), o cardeal manteve sempre uma posição conservadora em termos teológicos, sendo considerado próximo do movimento Comunhão e Libertação, grupo católico com grande influência junto da política italiana. Será também o primeiro jesuíta a assumir o trono de São Pedro.

No Vaticano, longe de possíveis polémicas dos tempos de ditadura, é esperado que o cardeal sul-americano, silencioso e tímido, conduza a Igreja Católica com firmeza e com uma clara preocupação social.

"Ele é capaz de fazer a necessária renovação sem saltos para o desconhecido. Será uma força de equilíbrio", disse à Reuters Francesca Ambrogetti, co-autora da biografia de Bergoglio, após uma série de entrevistas durante três anos.

"Ele partilha da visão de que a Igreja Católica deve ter um papel missionário, que sai ao encontro das pessoas, que é activa... Uma Igreja que não se preocupa tanto em regular a fé, mas sim em promovê-la e facilitá-la", acrescenta Ambrogetti.

Um ortodoxo contra aborto e casamento gay
O novo Papa é também destacado pela preocupação com os mais pobres. O Guardian escreveu que, em 2001, quando João Paulo II o nomeou cardeal, Bergoglio pediu aos fiéis que, ao invés de se deslocarem a Roma, distribuíssem o dinheiro da viagem entre os mais pobres. Durante a crise económica que atingiu a Argentina, surgiu como uma voz da consciência nacional e, por várias vezes, tem alertado para as consequências da globalização desregrada para os que já sobrevivem com muito pouco. 

É também destas críticas que resultou a sua má relação com o casal Kirchner. O ex-Presidente Nestor Kirchner chegou mesmo a considerar o então arcebispo como "o verdadeiro representante da oposição".

Com Cristina Kirchner, que sucedeu ao marido na Presidência da Argentina, a relação também não tem sido fácil, tendo atingido um pico de conflitualidade quando foi aprovado o casamento gay no país. Apesar destas diferenças, a actual Presidente já disse que vai estar em Roma, na terça-feira, na cerimónia de inauguração do pontificado do Papa Francisco.

Ao longo dos anos, Jorge Mario Bergoglio deu prova da sua ortodoxia, manifestando também a sua oposição incondicional ao aborto e à contracepção ou à adopção por casais homossexuais. Em 2010, escreve o Guardian, quando a Argentina se tornou o primeiro país latino-americano a legalizar o casamento gay, o cardeal afirmou que a alteração legislativa representava uma forma de discriminação de crianças que, disse, deveriam ter o direito a ser educadas por um pai e uma mãe. Ainda assim, admite o recurso ao preservativo para impedir doenças infecciosas – ficou famosa a sua visita, durante as cerimónias pascais de 2001, a um hospital para lavar e beijar os pés de 12 doentes com sida.

Modesto, tímido, fã de futebol e literatura
É conhecido também pela timidez e modéstia – Allen recorda que recusou viver no palácio apostólico, que trocou por um apartamento na capital argentina, dispensou a limusina (prefere viajar de autocarro e metro).

"O seu estilo de vida é sóbrio e austero. É a forma como vive. Viaja de metro, de autocarro e quando vai a Roma voa em classe económica", conta Francesca Ambrogetti.

"Sempre foi uma pessoa simpática e acessível", contou à Reuters Roberto Crubellier, empregado de uma igreja na Baixa de Buenos Aires, onde Bergoglio costumava ir.

O homem simples que cozinha as suas próprias refeições gosta de tango e literatura, principalmente os autores clássicos.

E é também um apaixonado por futebol. É adepto do San Lorenzo de Almagro, de que é inclusivamente sócio. Gosta de ir ver os jogos da sua equipa, algo que agora terá mais dificuldades em fazer.

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