Ministério estuda corte em tratamentos mais caros para cancro

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Os fármacos destas doenças representam metade da despesa hospitalar com medicamentos Foto: Fernando Veludo/Nfactos

O Ministério da Saúde recebeu um parecer que dá luz verde para poupar na despesa com os tratamentos mais caros para doenças como cancro, sida ou doenças reumáticas.

No seguimento de um pedido do Governo, o Conselho Nacional da Ética para as Ciências da Vida (CNECV) fez um parecer em que defende que os doentes devem ter acesso aos medicamentos “mais baratos dos melhores”, não desperdiçando recursos, como acontece actualmente.

“Isto não significa que se corte nos medicamentos e se deixe morrer os doentes. O racionamento é a utilização da razão nas decisões em saúde. É dar com conta, peso e medida, com bom senso e razão”, sustenta o presidente do conselho de ética, Miguel Oliveira da Silva, em declarações ao PÚBLICO.

Aprovado por unanimidade, o parecer do CNECV sugere que se passe do actual “racionamento implícito” para um “racionamento explícito e transparente, em diálogo com os cidadãos” e propõe um modelo a adoptar, em várias fases. A decisão final caberá ao Ministério que, sobre esta matéria, não se quis pronunciar, por enquanto.O texto da deliberação foi divulgado hoje, depois de Miguel Oliveira e Silva ter dado uma entrevista à Antena 1 que de imediato desencadeou grande polémica.

Oliveira da Silva disse à Antena 1 que o racionamento nos medicamentos deve alargar-se aos meios complementares de diagnóstico, como as ecografias, as TAC e as análises. E defendeu que "Portugal não continue a comportar-se como se fosse um país rico". O responsável dá como exemplo o "número indiscriminado de ecografias mamárias, ou pélvicas, ou obstétricas, ou densitometrias" que são prescritas a mulheres sem riscos significativos e que não são controladas.

“Vivemos numa sociedade em que, independentemente das restrições orçamentais, não é possível em termos de cuidados de saúde todos terem acesso a tudo. Será que mais dois meses de vida, independentemente dessa qualidade de vida, justifica uma terapêutica de 50 mil, 100 mil ou 200 mil euros? Tudo isso tem de ser muito transparente e muito claro, envolvendo todos os interessados”, acrescentou.

O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, classificou o parecer da comissão de ética como “desumano e redutor” e perguntou: “Vamos regressar ao princípio Ceausescu de que o mais barato é o doente morto? Quem vai perguntar aos doentes se prescindem de viver mais dois meses porque é caro?”.

Miguel Oliveira e Silva retorque que José Manuel Silva não deve ter lido o documento e lembra que este foi aprovado por dois ex-bastonários da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes e Germano Sousa, e elaborado por um neurologista reputado. “Será que estão loucos?”, pergunta, enquanto acentua que no referido parecer “não se fala em cortar”, mas sim em reduzir deperdícios.

“Há muito dinheiro mal gasto na saúde em Portugal”, considera o médico, que defende, por exemplo, o fim da comparticipação estatal das pílulas anticoncepcionais, dado que estas são fornecidas de graça nos centros de saúde.
Foi a pedido do ministro da Saúde que o CNECV emitiu um parecer “sobre a fundamentação ética para o financiamento de três grupos de fármacos” (cancro, sida e biológicos para artrite reumatóide). Em 2011, em conjunto, estes representaram um gasto de cerca de 513 milhões de euros.

Os onze conselheiros que aprovaram o parecer consideram que há “fundamento ético para que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) promova medidas para conter custos com os medicamentos” e recomendam que, nas decisões sobre racionalização de custos, “esteja patente que as opções fundamentais serão entre os ‘mais baratos dos melhores’ (fármacos de comprovada efectividade) e não sobre ‘os melhores dos mais baratos’”.

Em Maio passado, o secretário de Estado adjunto e da Saúde, Fernando Leal da Costa, já tinha iniciado este debate ao admitir publicamente que algumas terapias de “eficácia duvidosa” usadas em alguns pacientes com cancro poderiam deixar de ser financiadas em breve pelo SNS. Leal da Costa disse na altura à Rádio Renascença que a tutela estava a preparar uma espécie de carteira de prestações garantidas, que implicará deixar de fora alguns tratamentos e serviços até agora assegurados nos hospitais públicos, no âmbito da transposição para a lei nacional da directiva comunitária sobre cuidados de saúde transfronteiriços, que vai permitir que os cidadãos se tratem noutros países da União Europeia.

Neste contexto, e uma vez que o SNS é um dos “mais generalistas” do espaço comunitário, será necessário, segundo Leal da Costa, reduzir a cobertura até agora assegurada e deixar de pagar os tais actos de “eficácia duvidosa”.

Adiantou, como exemplo “extremo”, as terapias que prolongam por pouco tempo a vida de alguns doentes de cancro. “Essa questão não se pode pôr em termos de prolongar uma semana ou um mês. A questão que se tem de colocar de forma muito clara em cima da mesa – e esse é um exemplo bom, apesar de ser um exemplo extremo – é se, por exemplo, todos os medicamentos que são autorizados para tratar cancro devem ser todos eles utilizados no Serviço Nacional de Saúde. Porventura, não, como já não são em Inglaterra, na Alemanha, em França e por aí fora”, explicitou.

Notícia actualizada às 17h04Notícia corrigida às 14h35

- Altera título. O Ministério da Saúde ainda está a avaliar o parecer

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