Reacções: "Um artista nunca morre"

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Tito Paris: "A Cesária levou-nos de uma parte do mundo para a outra" Daniel Rocha
João Branco, director do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo

"A primeira vez que chorei em Cabo Verde, há quase vinte anos, foi por ter ouvido a voz de Cesária Évora, que se apoderou de mim como um furacão de alma e sentimento. Tinha acabado de chegar ao Mindelo e pela mão do músico Vasco Martins fomos a um bar de amigos, para um serão tranquilo de boa conversa. Estava sentado, distraído com uma qualquer leitura, quando aquele espaço foi invadido por uma voz única, grave, possante. O disco era o “Miss Perfumado”, o CD que haveria de catapultar Cesária para a fama internacional, por via do mercado francófono e a transformaria na maior embaixadora da história do arquipélago, hoje no mapa global muito por responsabilidade do retumbante e espantoso sucesso da sua impar carreira.


No saudoso Café Royal, da mítica Rua de Lisboa, para onde ela ia quase diariamente, numa época em que ainda não tinha que viajar constantemente, com tournées que a obrigavam a ficar tão longe da sua cidade querida, a sua chegada de carro, sempre com um condutor próprio, e a entrada com os pés descalços no estabelecimento, eram dignos de um cerimonial que nunca mais esquecerei.

A mesa onde se sentava Cesária ia-se enchendo e esvaziando, à medida que ela recebia amigos, familiares, conhecidos ou curiosos. Pagava bebidas a todo o mundo, dava dinheiro aos pedintes, brincava constantemente com aqueles que a rodeavam, muitos já adivinhando que ali estava uma fonte inesgotável de talento e projecção. Na sua casa, sempre tinha a porta aberta, com o mesmo espírito generoso, próprio de uma grande matriarca.

Hoje, depois do choque inicial, a voz de Cesária Évora ecoa por toda a cidade do Mindelo. Nas ruas, nos cafés, nos bares, nos carros, nas vozes das pessoas. Um mendigo grita no centro histórico do Mindelo: Cesária já morrê! Hoje, Cabo Verde, é uma Nação que se curva, de pés descalços, perante a sua maior Diva."
Mayra Andrade, cantora
"Cize,

Como na tela de um quadro, a tua voz pinta estas paisagens perdidas e os sentimentos que animam o povo das tuas ilhas. Agradeço à vida o privilégio de te ter conhecido, tu que pela tua voz nos fizeste existir perante os olhos do mundo. Sentimos terrivelmente a tua falta.

Sodade, sodade, sodade..."

Tito Paris, músico

“Recebi a notícia com profunda tristeza. Cabo Verde fica mais pobre, da mesma forma que ficou mais rica quando ela nasceu, porque nasceu uma estrela que não se apagará, ficará sempre acesa, a brilhar através da sua música.


Espero que todos os cabo-verdianos, sobretudo os mais jovens, dêem valor ao que ela nos deu; muitos não têm noção do que ela nos ofereceu. A Cesária levou-nos de uma parte do mundo para a outra, levou o nome de Cabo Verde por todo o mundo e, quando ela estava em palco, todo o cabo-verdiano estava lá com ela. Ela levou a morna, e o sorriso, e o calor do Mindelo, e ficará na nossa memória. Estamos profundamente tristes. Que descanse em paz. Todo o mundo da música ficou mais pobre, mas um artista, um poeta, nunca morre.”

José Eduardo Agualusa, escritor

“É uma notícia triste, embora esperada. A Cesária já não estava bem há algum tempo, mas quando a notícia chega nunca estamos preparados. O extraordinário sucesso internacional da Cesária mudou por completo a forma como a música cabo-verdiana passou a ser acolhida no mundo e, dessa forma, mudou a própria música cabo-verdiana. Mas mais do que isso, julgo que ela foi muito importante para todo o mundo da música em língua portuguesa, porque ela abriu caminhos para todas as outras culturas.


O que foi extraordinário nela foi ter sido capaz de dar voz a todo esse património que criou. Lembro-me de a ter entrevistado para o Público no início de tudo, antes do sucesso em França. Ela fazia muitos concertos, sobretudo para cabo-verdianos, lembro-me de um na Voz do Operário, para muito pouca gente. E ela já era todo aquele património extraordinário de Cabo Verde, o que explica o seu sucesso era o facto de ela ser muito autêntica naquilo que fazia.”

Lura, cantora

“Nestas alturas é sempre difícil saber o que dizer. Estou completamente desolada, todos estávamos com muitas esperanças, a Cesária sempre foi uma força da natureza, sempre surpreendeu pela positiva e acreditávamos que ela agora ia ter tempo para descansar e se recuperar sem a azáfama das viagens constantes.


É muito triste para Cabo Verde, que perdeu muito, culturalmente e não só. A Cesária foi a mulher que levou Cabo Verde ao mundo, ao universo inteiro,. Ela é a nossa referência, por causa do amor que dedicou à carreira, à música, à cultura e à história de Cabo Verde, com uma entrega notável. Admiro-a muito, em todos os aspectos.

Aproveito para deixar as minhas condolências à família, aos amigos, aos fãs e a tanta gente que acompanhou a Cesária Évora por este mundo fora, em salas sempre sempre esgotadas.”

Flávio Hamilton, actor

“Soube esta manhã, um irmão que vive em Cabo Verde ligou-me a dar a notícia. Fiquei atónito: nos últimos tempos tinha-me dedicado, com uma alegria tremenda, a escrever sobre a Cesária, a sua faceta de artista e pessoal, porque muita gente me perguntava sobre ela. Por todos os contactos que tinha, a informação era que a Cesária estava bem, tranquila, a repousar. Eu imaginava-a à espera da sua passagem de ano, que para nós é uma festa muito mais importante do que o Natal. E agora vem esta surpresa. Ouço as reacções, todos falam sobre esta perda irreparável, mas nem consigo pensar nisso, só consigo pensar numa enorme tristeza.


Para mim a Cesária sempre foi o mundo. Cresci numa família de músicos, e ela sempre foi uma grande referência, a Cesária e a minha avó tinham uma relação de grande amizade. Cresci com a ideia que a Cesária era quase a perfeição ao nível musical. Mas eu adorava ir vê-la quando ela ia cantar a qualquer sítio por causa da sua pessoa, da sua maneira brincalhona. Era isso que eu adorava antes de saber o que a música dela representava. Ela é uma referência incontestável em termos musicais, mas para mim é uma referência humana, absolutamente forte e inspiradora e que eu não quero nunca esquecer.”

Cavaco Silva, Presidente da República

Em meu nome pessoal e no dos portugueses, quero apresentar sentidas condolências à família de Cesária Évora, símbolo eloquente da música e da alma de Cabo Verde, a cujos dirigentes endereço também os meus pêsames.


Artista singular, que tão bem soube exprimir a cultura e a tradição musical da sua terra, muito para além das fronteiras da Língua Portuguesa, a memória de Cesária Évora é merecedora da nossa elevada consideração.

É com pesar que presto a minha homenagem a Cesária Évora, cujo desaparecimento deixa de luto não só a nação cabo-verdiana mas toda a comunidade da lusofonia, ao mesmo tempo que nos lega uma saudade patente na memória de quem a ouviu cantar o sentir mais profundo da música do seu país, um património que continuará a ser partilhado por todos nós.

Jorge Carlos Almeida Fonseca, Presidente da República de Cabo Verde

O desaparecimento físico de Cesária deixa-nos sem palavras adequadas e seguras para exprimirmos a funda dor que atravessa o nosso ser. Não se trata aqui de dizer coisas exigidas pelo protocolo ou pela nossa condição de Presidente da República. Cize era - é - única, ímpar, na voz que sobrevoa o pequeno espaço das ilhas e paira sobre o continente vasto de uma nossa alma que rejeita ser feita de pedaços de cada um de nós. Na impossibilidade de retribuirmos a Cesária o que ela nos deu, apenas podemos aprisioná-la nos nossos corações, torná-la deusa, feita música, de um país sofrido, combalido mas eternamente grato a quem tanto fez para dar razão aos que um dia disseram "meu país é uma música".


Notícia actualizada domingo, às 12h20
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